As metamorfoses de David Bowie

O tipo de música que os Beatles faziam no começo da carreira se diferencia radicalmente das canções que apareceram a partir do disco Revolver. Da mesma forma, não é novidade para ninguém que Bob Dylan era muito mais folk no início dos anos 60. E os exemplos não param por aí.
Diversas bandas foram sofrendo (ou provocando) mudanças em seu estilo ao longo de suas carreiras. Algumas evoluíram e outras experimentaram o inferno ao perder fãs e sofrer duras críticas.
Porém, são poucos os artistas (será que eles realmente existem?) que se reinventaram tanto quando David Bowie. O não por acaso camaleão do rock não tem sua carreira separada em duas ou três fases como a maior parte dos músicos. Cada novo disco apresenta um Bowie diferente, mas ainda assim indiscutivelmente Bowie.
Quando anunciava um novo trabalho se modificava por completo. É como se passasse o período entre um disco e outro dentro de um casulo, apenas preparando a metamorfose. Quando saía, o seu cabelo estava diferente, seu rosto havia mudado, sua personalidade tinha evoluído e suas canções já não deveriam ter os mesmos temas e talvez até estilo.
Bowie se mostrava uma espécie de Fernando Pessoa. Era por si só genial, mas carregava em seu interior muitos personagens que imploravam – quase que diariamente – para sair. Eram diferentes, contraditórios, polêmicos e intimistas, mas juntos formavam algo realmente grandioso.
E dentre tantos Bowies que apareceram pelos anos 70, 80, 90 e 2000, certamente o mais completo e real é Ziggy Stardust, do álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Com seu cabelo vermelho, sua rouba estranha e seu jeito prepotente, se tornou, para muitos, o símbolo do ápice da carreira do músico e um reflexo de vários artistas dos anos 70.
A canção que leva o nome de Ziggy conta a sua trajetória. Um músico excepcional, que se tornou líder de sua banda e um verdadeiro showman. O talento, entretanto, subiu à sua cabeça, assim como ocorre com muita gente dentro e fora da Arte.
Sua prepotência era gigante, mas não afastou os fãs. Pelo contrário, Ziggy se tornou querido, e mesmo depois de Bowie aparecer com tantos outros personagens, volta e meia Ziggy voltava, no fim dos shows, com o cabelo vermelho, a roupa estranha e fazendo amor com seu ego, como diz a própria canção.
E assim ele permanece, provavelmente até com o ego mais inchado depois de ter percebido que a criatura se tornou tão grandiosa quanto o criador.

Bruno da Silva Inácio cursa mestrado na Universidade Federal de Uberlândia, é especialista em Gestão Cultural, Literatura Contemporânea e em Cultura e Literatura.
Ele Cursa pós-graduação em Filosofia e Direitos Humanos e em Política e Sociedade. É autor dos livros “Gula, Ira e Todo o Resto”, “Coincidências Arquitetadas” e “Devaneios e alucinações”, além de ter participado de diversas obras impressas e digitais.
É colaborador dos sites Obvious e Superela e responsável pela página “O mundo na minha xícara de café”.