Câmara aprova projeto que pode ser cheque em branco para administrações

Após parecer da CCJ ser derrubado por 8 votos a 5, projeto foi apreciado pelos vereadores e aprovado

Por 8 votos a 5, os vereadores rejeitaram o parecer da Comissão de Justiça e Redação da Câmara sobre o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 027/19, da Prefeitura, que autoriza o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) a executar, com recursos próprios, obras de infraestrutura urbana na cidade. A decisão foi em sessão realizada na última terça-feira, 1º de outubro.
Não há dúvida que o projeto aprovado pela Câmara é um cheque em branco, não só para a atual administração, mas para outras que virão.
Após a análise do texto, o relatório da CJR foi contra o projeto. Fazem parte da Comissão: presidente Rafael Gabiru e vereadoras Ana Paula Yanosteac Rodrigues Mário e Andréa Fonseca Yamada Scotte.
Além deles, votaram a favor do parecer os vereadores Adauto Barbosa de Matos e Marcelo Celestino Pereira (“Marcelinho Capituva”). Os demais vereadores votaram contra o parecer, incluindo o presidente da Câmara, Fábio Freitas Gibaile, mesmo que, de acordo com o regimento, o seu voto seja solicitado exclusivamente em caso de empate, quando é ele quem decide a questão – o que não era o caso.
De acordo o regimento interno da Câmara, com rejeição do parecer, o Substitutivo deveria voltar a ser analisado pelas outras comissões da casa, no entanto, devido a uma manobra de bastidores esta etapa foi pulada, e apresentado um requerimento de urgência por oito vereadores, que foi colocado em apreciação na mesma noite, e aprovado por 7 a 5 .


Princípio da autoadministração
A CJR ressaltou no seu parecer que o Substitutivo ao Projeto de Lei 027/19 “fere o princípio da autoadministração – uma das características do SAAE, dando ao Prefeito Municipal poderes de influir na prestação dos serviços da Autarquia Municipal, pois haveria necessidade de ‘prévia e justificada autorização do mesmo’, para a execução de determinados serviços”.
“A proposição também prevê que ‘o Executivo Municipal deverá enviar ao SAAE, o Plano de Execução de Serviços e Projeto Básico, o qual deverá ser avaliado pela Autarquia Municipal, que diante da sua disponibilidade financeira irá informar ao Executivo Municipal quais serviços poderão ser efetivamente executados’, sendo que tal regra é totalmente incompatível com a autonomia garantida às Autarquias”, afirma.
“É possível notar também que a lei que instituiu o SAAE foi expressa visando garantir a autonomia necessária para a execução de seus serviços, sendo tal liberdade extremamente necessária para o bom desempenho do trabalho especializado exercido por esta entidade”.
Outro ponto destacado pela comissão foi em relação à especialização de atividades. “A autarquia é criada para executar determinado serviço público específico. No caso do SAAE, são os serviços de água e esgoto. Entretanto, o projeto amplia e desvia completamente tal especialização ao adicionar ‘obras de infraestrutura urbana’, como os serviços a serem prestados pela Autarquia Municipal”, enfatiza a CJR.
Atribuições do SAAE
“Por fim, a CJR concluiu que “é do entendimento de todos que a especialidade do SAAE são os serviços de água potável e esgoto do município, sendo esta sua razão de existir, por isso, impor a recuperação de vias públicas à entidade gerará custos e demandas imensuráveis, que poderão acarretar em uma má prestação dos excelentes serviços já prestados pela Autarquia”.
Continua o parecer “Bem como condicionar a prestação destes serviços a uma autorização prévia do Poder Executivo, que também terá poderes para elaborar Planos de Execução e Serviços fere a autonomia gerencial a qual é garantida por lei às autarquias”.
Outra questão relevante alertada pela CJR é que “apesar da argumentação de que o Superintendente do SAAE ‘poderá’ decidir se realiza as obras requisitadas pela Prefeitura ou não. É muito improvável que o superintendente recusará tais pedidos, tendo em vista que seu cargo é livre de nomeação e exoneração pelo Executivo, ficando exposto à pressão por parte daquele que tem o poder sobre seu cargo”.
“Deste modo, o projeto é ilegal por ferir a capacidade de autoadministração do SAAE, ao subordinar suas atividades à autorização prévia e justificada do Prefeito Municipal, bem como por criar obrigação de prestação de serviços desvinculados a especialidade da Autarquia”, finaliza.

Projeto aprovado pode comprometer finanças do SAAE

Além dos tópicos já citados pelos vereadores que votaram contra o projeto, é preciso refletir se uma cidade como Ituverava, que tem um orçamento estimado em R$ 152.873.567,80 para o ano de 2019, necessita realmente de recursos do SAAE, para fazer investimento em obras de infraestrutura urbana e retirada de resíduos sólidos, que são deveres da Administração Pública.
Outro ponto que preocupa é que a lei em questão não é temporária, o que implica que os futuros prefeitos poderão se utilizar dela, o que poderá deixar o SAAE ainda mais vulnerável, pois seus recursos poderão ser utilizados toda vez que o Executivo achar conveniente.

Inviabilizada
Uma vez descapitalizada, a Autarquia pode ficar inviabilizada de realizar serviços pela qual foi criada, que é fornecer água de boa qualidade para toda a população e uma rede de captação de esgoto que atenda às necessidades do município.
É bom lembrar que já tem ocorrido, mesmo que esporadicamente, falta de água em alguns locais da cidade, e se esta questão se agravar, de onde virão os recursos para sanar o problema?

Estação de Tratamento de Esgoto
Também é preciso informações se a Estação de Tratamento de Água e a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) não precisarão de investimentos em médio prazo, para serem ampliadas, pois a cidade está crescendo e vários loteamentos estão sendo projetados. Outra questão que também deveria ser analisada é sobre a ampliação de extensão da rede de esgoto, inclusive para o projeto “Nosso Bairro – Lotes Urbanizados”, que está sendo analisado pelo Ministério Público.
Uma questão que também não pode deixar de ser aventada no caso de um colapso financeiro da autarquia como ficarão os salário dos funcionários e, se não ocorrerão reajustes dos valores da taxa de água e esgoto e, mais uma vez, os custos recairiam sobre a população. Se esses problemas acontecerem quem será responsabilizado?

Vereadora Andréa Fonseca Yamada Scotte

A vereadora Andréa Yamada justifica seu voto, afirmando que o projeto substitutivo é considerado ilegal, por ferir a capacidade de autoadministração do SAAE.
“Criando obrigação de prestação de serviços desvinculados a especialidade da autarquia, como a recuperação de vias urbanas, manejo de resíduos sólidos e águas pluviais urbanas, saindo dos preceitos sobre a qual a autarquias foi criada, para executar determinado serviço público específico.
Claro que nós, ituveravenses, queremos o recapeamento das ruas com certa urgência, mas impor este trabalho ao SAAE que sempre se ocupou do sistema de abastecimento de água e tratamento de esgoto, gerará problemas que poderão acarretar em uma má prestação dos excelentes serviços prestados pela autarquia, e ‘time que está ganhando, não se mexe’”, destaca a vereadora.
Vale lembrar que, segundo ela, já existem algumas emendas parlamentares destinadas para esse fim. “Inclusive, uma que conquistei junto à deputada estadual Delegada Graciela. Acredito que, em breve, as ruas em situação mais crítica, já estarão recebendo o recapeamento”.

Vereadora Ana Paula Yanosteac Rodrigues Mário

A vereadora Ana Paula Yanosteac, membro da Comissão de Justiça e Redação da Câmara de Ituverava, que foi designada como relatora na apreciação do Substitutivo 001/19, falou sobre a aprovação da lei.
“O parecer que elaborei, depois aprovado pelos demais membros da Comissão de Justiça e Redação, foi contrário ao Substitutivo 001/19. Ocorre que foi analisado o aspecto técnico da lei e foi detectado que, do modo que estava, o SAAE, uma Autarquia Municipal, perderia muito sua autonomia, bem como se desviaria de sua finalidade, que é o tratamento de água e esgoto de nossa cidade”.
“Muitos falaram que a autonomia não seria perdida, pois o diretor do SAAE poderia recusar eventuais projetos mandados pelo Poder Executivo, mas o que foi omitido é que o cargo de Diretor do SAAE é de livre nomeação e exoneração, ou seja, a qualquer tempo o Prefeito pode exonerar o diretor”.
“E como essa lei valerá para todos os futuros governantes de nossa cidade, tivemos a precaução de imaginar um cenário onde cada um pudesse criar uma influência política na Autarquia exonerando futuros diretores que não concordassem com as realizações de obras requisitadas pelo Executivo”.

Influência política
“Assim, do modo que a lei foi aprovada, abre-se essa brecha para uma influência política, numa autarquia que tem que ter um foco de trabalho extremamente técnico. Em nossa cidade não há nenhuma outra empresa que preste os serviços que o SAAE realiza. Uma possível influência política, bem como o desvio dos trabalhos para obras de recapeamento de ruas, pode gerar um colapso nessa autarquia e um prejuízo incalculável para nossa população”,
“Entretanto, o Plenário da Câmara é soberano e a maioria entendeu por derrubar nosso parecer, aprovando a lei do modo que estava. Tenho tentado fazer uma vereança pautada, não apenas nos aspectos políticos, mas buscado enxergar como uma omissão nos aspectos técnicos pode influenciar na vida de toda a cidade, seja no curto prazo, ou daqui a dez anos. Por isso, fui contra a lei do modo que estava”.

Vereador Adauto Barbosa de Matos

“Sou contrário à proposta que determina a utilização dos recursos do SAAE para o recapeamento de ruas, acompanhando o Parecer da Comissão de Justiça e Redação que, após estudo aprofundado, com a ajuda de advogados especializados no assunto, também, manifestou-se contrário ao projeto de lei apresentado.
Entendo que o projeto de lei viola o objetivo do SAAE, dando a Sr.ª Prefeita o poder de intervir, determinando a retirada de recursos do tratamento de águas e esgoto para o recapeamento de qualquer rua na cidade.
Ocorre que o projeto fere o princípio da autoadministração, dando o executivo poder de influir na prestação de serviços da Autarquia.
Antes de votar o projeto, conversei com diversos funcionários do SAAE, e ouvi que Ituverava precisa de grandes investimentos nas redes de água e esgoto (que já possui problemas de falta de água em alguns bairros), ampliação das estações de tratamento (que já estão no limite), e o que acho principal, a perfuração de pelo menos dois poços artesianos para o abastecimento (se tivermos uma possível contaminação do Rio do Carmo)”.

Ministério Público
“Assim, entendo que serão necessários vários investimentos na área de tratamento de águas e esgotos, e que o recapeamento de ruas deve ser feito com dinheiro da Prefeitura.
E persistindo no entendimento de que o SAAE não pode ter os seus recursos desviados, protocolei ontem, 3 de outubro de 2019, na Promotoria Pública ofício para que seja analisado o Projeto de Lei, e esperando que a Senhora Promotora de Justiça do Patrimônio Público ajuíze medida para suspender a aplicação do projeto a ser convertido em lei, até que o Tribunal de Contas apresente o seu parecer”.

Vereador Rafael Gabiru

“Estamos em retrocesso total nesta Câmara, onde há arbitrariedade e falta de respeito com o regimento da Casa. Temos as Comissões Permanentes para analisar os projetos e, mais uma vez, a força arbitrária do comando, com a assinatura dos nossos colegas, está retirando das Comissões um projeto muito polêmico.
Respeito a opinião de cada um, sei que vou sair daqui e vai virar uma demagogia nessa tribuna. Também quero que a cidade tape os buracos das ruas que necessitam, mas acho que temos de fazer isso com recursos próprios, ir atrás dos Governos Federal e Estadual e buscar recursos como muitos vereadores e eu estamos fazendo.
É triste ver alguns vereadores que já estão aqui há tanto tempo, passar por cima de outros. Isso é um retrocesso, pois se hoje estamos de lados diferentes, é simplesmente por divergência de opinião, mas é bom lembrar que, antes de tudo, é preciso estar ao lado da população”.

Bem administrado
“O SAAE, hoje, é superavitário, porque é bem administrado e porque trabalha corretamente. Não estou dizendo que isso possa acontecer, mas acho que se usarmos os recursos do SAAE para retirada de resíduos sólidos e tapar buracos, se ocorrer algum problema de emergência e urgência, por exemplo, se uma bomba de abastecimento estragar, o que fazer se não houver recursos? Outra questão, é que hoje todos sabem que todo final de semana há falta de água em algum ponto da cidade; e se esta questão se agravar? Onde estarão os recursos?
“Também estamos sabendo que as Estações de Tratamento de Água e de Esgoto estão no limite, e a cidade está com loteamentos em andamento e, se caso eles já estivessem sendo habitados, as estações seriam capazes de atender a demanda ou precisariam ser feitos investimentos? E vamos tirar dinheiro do SAAE para tapar buraco? Sou contra. Mas sou contra porque essa situação pode prejudicar lá na frente. E qual será a primeira solução quando chegar nessa situação e não tiver reserva? Aumentar a taxa de água e a população vai estar sujeita a pagar a reajustes porque o SAAE passou a ser deficitário. Estranho, não?

Contas futuras
“Este dinheiro, segundo informações, está reservado para contas futuras do SAAE e também para o pagamento de salários e do décimo terceiro salário, que deve acontecer nos próximos meses. Daqui a pouco vão dizer que o SAAE é deficitário, que a entidade gera prejuízo, olha lá se não voltar aquela conversa de vender o SAAE, como já ocorreu em anos anteriores.
Por isso, deixo bem claro, não só o meu voto, mas também o repúdio de se desviar recursos do SAAE para outros setores”.