Na madrugada de 31 de outubro de 2021, teto da Gruta Duas Bocas desmoronou e matou nove bombeiros civis e instrutores que faziam um treinamento no local.

O desmoronamento da Gruta Duas Bocas, em Altinópolis (SP), completa um ano nesta segunda-feira (31).
Na madrugada de 31 de outubro de 2021, 28 bombeiros civis e instrutores faziam um treinamento no interior da gruta, quando o teto desmoronou e deixou parte do grupo retido. Das dez pessoas que ficaram totalmente soterradas, nove morreram.
O caso foi alvo de uma investigação na Polícia Civil, que indiciou o dono da empresa de treinamentos por homicídio culposo. O delegado entendeu que ele não deveria ter permitido o curso na gruta por causa das condições climáticas no dia do treinamento.
Mas como foram esses últimos 365 dias para quem sobreviveu e para os familiares dos mortos? Além disso, quais providências foram tomadas para evitar novas tragédias como essa?
Para responder às perguntas, o g1 conversou com alguns dos envolvidos no caso e traz abaixo:
Volta por cima
Dentre as dez pessoas que ficaram totalmente soterradas, a única que sobreviveu foi o bombeiro civil Walace Ricardo da Silva. Ele foi resgatado cerca de oito horas após o Corpo de Bombeiros dar início à operação de salvamento na gruta e passou dez dias no hospital.
Apesar de tudo, Silva não desistiu da profissão, voltou a atuar quatro meses depois do desmoronamento e hoje trabalha como instrutor de 11 alunos em Batatais (SP), cidade onde mora.
“Faço parte da equipe de bombeiros civis voluntários de Batatais, fui voltando aos poucos, me adaptando, o pessoal foi pegando confiança novamente. Como eu já tinha me formado para instrutor, não tinha nenhuma escola em Batatais, o pessoal estava meio com receio. Eu estava treinando a equipe, buscando conhecimento. A gente treinava dentro da cidade mesmo, em local seguro, em alguns eventos, foi onde fui conquistando meu espaço novamente, mostrando que não é uma profissão de risco e que o que aconteceu foi coisa da natureza.”
O bombeiro conta que a história dele é usada pelos alunos como inspiração para alcançar os objetivos.
“Passo como foi, eles têm muitas perguntas, às vezes ficam sem graça de perguntar, mas o que motivou eles a fazerem o curso foi a minha superação, a minha recuperação. Isso incentivou eles a procurarem o curso.”
Trauma
Outro que sobreviveu após também ficar soterrado, ainda que parcialmente, foi Antônio Marcos Caldas Teixeira. À época bombeiro civil em formação, mas agora já formado, ele conta que a tragédia o deixou com sequelas físicas e psicológicas.
“Minha clavícula ficou lesionada. Até hoje, não consigo trabalhar direto, às vezes faço bicos um, dois, três dias, porque começa a doer e não para. Dormir, praticamente não consigo à noite. Tenho muito pesadelo. Tem vezes que passo duas, três noites acordado. Qualquer barulho, eu levanto assustado. A vida depois desse um ano mudou completamente.”
Saudades
A bombeira civil Jenifer Caroline da Silva, de 25 anos, foi uma das nove pessoas mortas na tragédia. Para Dayane da Silva, a perda da irmã foi encarada durante o último ano como um “desafio diário”.
“É um desafio muito diário. Não tem um dia que a gente não pense nisso. É bem difícil. A gente tenta colocar na cabeça que ela foi fazer uma viagem e que daqui a pouco está de volta”, diz.
Segundo Dayane, mesmo depois de todos esses dias, a família ainda evita mexer nos pertences de Jenifer, deixando-os da mesma maneira como ela colocou antes de partir para o treinamento na Gruta Duas Bocas.
“Estou no quarto dela, estou trabalhando home office, e o quarto dela está do mesmo jeito que ela deixou, apenas coloquei meu notebook de trabalho para trabalhar aqui. A gente não consegue se desfazer da roupa dela. Ainda não dá para acreditar. A ficha ainda não caiu.”
Além de Jenifer, morreram no desmoronamento: Débora Silva Ferreira, Natan de Souza Martins, Celso Galina Junior, Ana Carla Costa Rodrigues de Barros, Rodrigo Triffoni Calegari, Elaine Cristina de Carvalho, Jonatas Ítalo Lopes e José Candido Messias da Silva.
O sobrevivente Walace Ricardo destaca que as lembranças dos amigos vêm à tona sempre ao acordar, quando, segundo ele, era comum receber mensagens dos colegas.
“Tem aquela saudade diária. A gente acorda cedo, sempre acha que vai ter uma mensagem deles… nem parece que deu um ano já.”
Desamparo
O treinamento realizado pelos bombeiros no dia do desmoronamento da gruta era ministrado pela escola Real Life, que em tese teria de pagar o seguro de vida aos sobreviventes e familiares dos mortos.
No entanto, segundo eles, nada foi pago até agora. A inércia dos responsáveis é alvo de reclamação de Walace, que conta que ficou com limitações no pulso após ficar com o corpo totalmente soterrado e sofrer fraturas.
“Faço tratamento até hoje, tudo isso teve custo, até na parte de fisioterapia, tive que comprar algumas coisas para fazer a fisioterapia em casa. Tinha que ter um retorno”, diz.
Dayane também afirma que até o momento não recebeu o seguro de vida da irmã Jenifer e que não quer se desgastar mais com isso.
“Não teve nenhuma indenização, nenhuma procura por parte da Real Life. Parece que nunca aconteceu nada. A gente procurou um advogado, mas o advogado crê que não vai dar em nada. Teria direito ao seguro, mas ninguém faz nada. Para não me desgastar mais, não quero mais saber. Só quero que Deus faça justiça, e ele vai fazer.”
Antônio, que precisou de doações enquanto esteve internado, diz que o dinheiro não recebido faz falta inclusive para pagar as contas do dia a dia e que ainda depende de ajuda.
“Está bem difícil, estamos vivendo de cesta básica, fazendo bicos para ajudar alguma coisa, porque você não consegue trabalhar, é muita coisa. Depois que minha esposa perdeu o serviço para poder cuidar de mim, ela não conseguiu voltar mais para trabalhar. Ainda está difícil.”
O g1 tentou entrar em contato com a Real Life por meio de vários telefones para comentar a reclamação das vítimas, mas não obteve sucesso.
Ações da prefeitura
Dias após o desmoronamento da Duas Bocas, a Prefeitura de Altinópolis tomou a decisão de proibir a visitação do público a todas as 19 grutas mapeadas na cidade, como medida preventiva.
A interdição atendeu a uma recomendação de especialistas e geólogos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA).
A reportagem pediu à administração municipal na última semana uma atualização sobre a situação atual das grutas no município, mas também não obteve retorno até esta publicação.
A administração informou, no entanto, que está programada a visita de uma equipe do IPT a Altinópolis. O objetivo da visita não foi detalhado.
Responsabilidade
Em outubro deste ano, a Justiça realizou a primeira audiência sobre o processo.
O dono da escola responsável pelo treinamento, Sebastião Francisco Abreu Neto, responde por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, por cada uma das nove mortes. Segundo o Ministério Público, o curso vendido pela escola não poderia ter acontecido no formato definido.
Durante a audiência no Fórum de Altinópolis, foram ouvidas cinco testemunhas de acusação e três de defesa. Uma nova audiência foi marcada para o dia 17 de novembro para os depoimentos de uma testemunha de acusação e outras duas de defesa que não compareceram à primeira.
Fonte:g1.globo.com