Para fugir da condenação rápida, políticos envolvidos em crimes têm recorrido ao Supremo Tribunal Federal

Um grande número de políticos com foro privilegiado (presidente da República, vice-presidente, ministros, deputados, senadores e membros de tribunais superiores) têm preferido ser julgados no Supremo Tribunal Federal por eventuais crimes ou suspeitas de crimes.
Mas por que os políticos preferem ter foro privilegiado para serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal, que nas instâncias inferiores? Será para ganhar tempo ou a certeza que a Justiça nas suas instâncias são mais efetivas e rápidas? É bom lembrar que quem aprovou a lei do foro privilegiado foram eles, os próprios políticos.
Segundo especialistas do Direito, essa escolha não é por acaso: o Supremo é mais lento para julgar casos do que operações como a Lava Jato, por exemplo.
No ano passado, um bom exemplo aconteceu quando o presidente Michel Temer nomeou Moreira Franco como secretário executivo, para o comando da Secretaria Geral da Presidência, para ter direito de ser julgado pelo STF.
Moreira Franco é citado dezenas de vezes em uma das delações premiadas de executivos da Odebrecht à Lava Jato. Também é um dos 443 acusados de peculato, por usar para fins pessoais, e não profissionais, a cota de passagens aéreas da Câmara quando foi deputado (entre 2003 e 2007).
Moreira Franco nega a acusação contra ele. Por agora ter status de ministro, quaisquer desdobramentos daqueles casos ficarão sob responsabilidade do Supremo Tribunal Federal.
Se ele não fosse ministro, a acusação de peculato seria analisada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Já um eventual inquérito na Lava Jato poderia ser remetido ao juiz federal Sergio Moro, da Vara Federal de Curitiba, onde estão concentradas as ações da Lava Jato.
Na primeira instância, a Lava Jato já motivou 125 condenações. No Supremo, a maioria dos casos está em fase de investigação. Parlamentares da oposição a Temer acusaram o presidente de querer blindar o aliado da Lava Jato.
Sentenças do juiz Sérgio Moro são até seis vezes mais rápidas
O tempo que o Supremo leva para receber uma denúncia e decidir se o acusado deve ou não ir a julgamento é de 565 dias.
Na comparação com Moro, o juiz federal já proferiu sentenças em apenas três meses após receber a denúncia. Em outros casos, o tempo variou entre seis meses e um ano, de acordo com o site jurídico Conjur. Ou seja, as sentenças de Moro são até seis vezes mais rápidas.
Das 404 ações penais contra pessoas com foro privilegiado analisadas pela Corte entre 2011 e 2016, 276 prescreveram (quando se ultrapassa o prazo para aplicar a punição) ou foram remetidas a outras instâncias da Justiça porque os réus perderam o direito a foro. Cada vez que um processo é transferido de uma instância para outra, aumenta-se o tempo até ele ser finalmente julgado.
68% das ações penais no Supremo contra réus com foro privilegiado prescreveram ou foram remetidas para instâncias inferiores. Além do fator tempo, levantamento feito pela FGV Direito Rio mostra que o Supremo condenou apenas 0,74% dentro daquelas 404 ações penais. No âmbito da Lava Jato, não há condenações até o momento, ao contrário do verificado na Vara Federal de Curitiba.
Condenações
Dentro de 404 ações, três pessoas foram condenadas pelo STF condenou réus com foro, entre 2011 e março de 2016, segundo o Supremo em Números.
Já o número de condenações proferidas na Lava Jato por juízes de primeira instância foi de 125 no mesmo período.
Na fase de inquéritos, etapa em que o Supremo ainda vai decidir se haverá ou não investigação, o resultado também foi mais favorável aos investigados. Entre os 987 pedidos de investigação, apenas 57 (5,8%) foram abertos. Do restante, 413 foram negados e 379 prescreveram ou foram remetidos a instâncias inferiores.
Além das condenações, Moro tem determinado prisões provisórias (antes de haver julgamento), com argumento de que as medidas são necessárias para assegurar o andamento das investigações e evitar que os investigados fujam ou destruam provas.
Embora o recurso seja bastante criticado pelos advogados de defesa, os tribunais superiores têm mantido a maior parte das decisões de Moro e recusado os pedidos de liberdade.
Ministro do Supremo sugere limites ao foro privilegiado
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, encaminhou à presidente do Supremo, Cármen Lúcia, um pedido formal para que os ministros julguem uma proposta para restringir os casos em que autoridades possam ser julgadas pela Corte. A ministra não tem prazo para colocar o assunto na pauta.
O foro privilegiado é um direito previsto pela Constituição. Qualquer alteração na regra precisa ser discutida e aprovada pelo Congresso Nacional. Por isso a sugestão de Barroso é que a Corte reveja a interpretação do texto constitucional.
Atualmente, o investigado só tem foro enquanto ocupa os cargos em que o direito é assegurado. Mas se, por exemplo, alguém responde a um processo e no curso dele torna-se deputado federal, o caso é transferido para o Supremo. Quando acaba o mandato, a ação volta se ainda não tiver sido julgada. A sugestão de Barroso é no sentido de evitar essas idas e vindas.
A proposta dele é que um parlamentar ou ministro só sejam julgados pelo Supremo por atos praticados no exercício dos cargos cujo foro é de responsabilidade da Corte. Processos abertos antes disso continuariam nas instâncias ou tribunais em que começaram.
Na prática, o foro privilegiado continuaria existindo. O que mudaria, caso a proposta de Barroso seja acatada, são as circunstâncias em que o processo seria julgado pelo Supremo. A medida, segundo ele, pode reduzir os “problemas” atualmente causados pelo foro privilegiado.
Revisão do sistema
“Não é preciso prosseguir para demonstrar a necessidade imperativa de revisão do sistema. Há problemas associados à morosidade, à impunidade e à impropriedade de uma Suprema Corte ocupar-se como primeira instância de centenas de processos criminais. Poder mal exercido traz desprestígio e mina a autoridade de qualquer instituição”, disse Luís Roberto Barroso ministro do Supremo Tribunal Federal.
Na manifestação enviada ao Supremo, Barroso não menciona a Lava Jato, mas lembra que o julgamento do mensalão “ocupou” a Corte por um ano e meio. O relator das ações da Lava Jato, ministro Edson Fachin, endossou as críticas ao foro privilegiado. Mas pontuou que o debate da proposta do colega deve ser analisada com cuidado para não invadir competências do Legislativo, a quem cabe alterar regras da Constituição.
Políticos estão mudando a tática para manter o foro privilegiado
Enquanto o STF condenou apenas cinco políticos envolvidos na Operação Lava Jato, as instâncias inferiores mandaram para a cadeia 116 acusados. Esse balanço explica por que vários políticos desistiram de tentar a reeleição no Senado e preferiram se candidatar à Câmara.
Eles acreditam que têm mais chance na eleição proporcional do que na disputa majoritária. E, caso eleitos deputados federais, vão manter uma condição essencial para continuarem em liberdade: o foro privilegiado, exatamente a prerrogativa de serem processados pelo STF. Sem o escudo do mandato parlamentar, serão alvo da Justiça Comum. Ali, os processos correm mais rápido.
Com o receio de não conseguir se reeleger para o Senado, os petistas Gleisi Hoffmann (RS), Lindbergh Farias (RJ) e Humberto Costa (PE), além do tucano Aécio Neves (MG) e do peemedebista Renan Calheiros (AL) decidiram disputar um cargo de deputado federal em outubro, abrindo mão de novo mandato na Alta Casa. Sabem que, processados na Lava Jato, teriam muita dificuldade em obter milhões de votos. É mais fácil buscar alguns milhares e garantir a vaga na Câmara.
Os três petistas estão assustadíssimos com o risco de perderem direito ao foro privilegiado. Eles estão atolados na lama da Lava Jato, mas seus processos correm a passos lentos no STF. Segundo a assessoria do Supremo, apenas Humberto Costa ainda não é acusado. A investigação está nas mãos da PF, mas deve subir logo para o crivo dos ministros do tribunal. Gleisi, que é também presidente do PT, está prestes a acertar as contas com a Justiça.
Condenação
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo a condenação da senadora por ter recebido propina de R$ 1 milhão no esquema de corrupção na Petrobrás. Lindbergh foi denunciado por suspeita de corrupção passiva por ter recebido propina da Odebrecht entre 2008 e 2010.
O ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, é alvo de 17 inquéritos abertos com a autorização do STF e sabe que dificilmente repetirá a mesma votação que o elegeu em 2010, quanto obteve 840 mil votos para o Senado. Outro que vai disputar cadeira de deputado federal é o ex-presidente do PSDB, Aécio Neves (MG). De postulante à Presidência da República em 2014, o senador chegou a ser afastado de suas funções após pedir R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista.
A tática, no entanto, pode ter vida curta. O ministro Dias Tóffoli pediu vistas no processo que determina a restrição do foro privilegiado aos crimes de parlamentares relacionados ao exercício do mandato em vigor. Sete dos 11 ministros, no entanto, já votaram a favor de reduzir a prerrogativa de foro. Não há data para a retomada da discussão.
Enquete
Para saber o que a população pensa sobre o assunto, a Tribuna de Ituverava foi às ruas nesta semana. Confira:
Diversos políticos com foro privilegiado (presidente da República, vice-presidente, ministros, deputados, senadores e membros de tribunais superiores) têm preferido ser julgados no Supremo Tribunal Federal por eventuais crimes ou suspeitas de crimes. Segundo especialistas do Direito, essa escolha não é por acaso: o Supremo é mais lento para julgar casos do que operações como a Lava Jato, por exemplo. Em sua opinião, o foro privilegiado permite que políticos driblem a Justiça? Ou é a justiça em primeira instância que é mais efetiva e rápida? Acredita que o foro privilegiado deveria ser extinto?










