Juquinha, um existencialista convicto, sentia-se amaldiçoado pelo seu nome. De criança deslocada a adulto ansioso (sem contar a fase gótica da adolescência), sua personalidade nunca combinou com seu nome. Na infância, qualquer brecha era motivo para que os coleguinhas da sala de aula o encarassem atentos à espera de uma piada, que nunca vinha. Ainda assim, ganhou fama de engraçado.
Histórias sobre ele (todas inverídicas) se espalhavam pela escola. Em pouco tempo, crianças de outras salas já o aguardavam no portão da escola. Quando dobrava a esquina, já diziam “lá vem o Juquinha” e prendiam o riso, porque sabiam que algo engraçado aconteceria.
Juquinha passava por eles, cabeça baixa, olhos perdidos, desconforto. Às vezes soltava um tímido “bom dia”. E todos riam. “Ai, esse Juquinha”.
Na adolescência, os livros de Edgar Allan Poe sempre acompanhavam Juquinha, mas nem isso era suficiente para mostrar às pessoas ao redor que ali habitava um garoto triste.
No primeiro dia de aula no ensino médio, o professor de matemática foi bem claro. “Não tolero gracinhas, ouviu, Juquinha?”. Todos o olharam esperando uma resposta sarcástica. “Sim”, respondeu o garoto, com o rosto queimando. Todos riram. “Pra diretoria agora!”. Chegou à sala da diretora, pediu licença, abaixou a cabeça. “Deixa eu adivinhar. Juquinha, né? Hoje é o primeiro dia de aula e já ouvi bastante o seu nome. Conheço muito bem o seu tipo”.
Pensou que na vida adulta, com um emprego e curso superior, as coisas seriam mais fáceis. Não foram. Dia sim, dia não era chamado no escritório do chefe. “Fiquei sabendo que têm feito algumas gracinhas pelas minhas costas”. Juquinha negava e em seguida ouvia o mesmo discurso de sempre.
“É a última vez que tolero suas brincadeiras. Sorte sua que é muito competente”. Saia frustrado da sala do chefe. Todos os colegas o olhavam e riam. “Ai, esse Juquinha”.
Também não se saía bem nos encontros. Mesmo quando falava sobre a metalinguagem no seu filme favorito do Almodóvar, o achavam um eterno adolescente pronto para fazer uma piada sobre peido.
Uma vez, num primeiro encontro, contrariou seus extintos e contou uma de suas histórias mais pessoais. Falou do último conselho que sua avó lhe deu, dois dias antes de morrer. Terminou a história segurando as lágrimas. Houve silêncio até que ouviu: “essa foi a piada mais sem graça que já ouvi”.
Quando se aventurava a discutir a questão de Israel e Palestina e a influência dos Estados Unidos no confronto, tudo que esperavam ouvir era uma piada do tipo “Entraram num bar um americano, um judeu e um palestino”.
Por fim, se rendeu. Foi ao cartório, se apresentou e explicou a situação. Uma mudança de nome, ainda que tardia, resolveria o problema. O cartorário o encarou, olhou ao redor como se procurasse uma câmera escondida e desabou a rir. “Ai, esse Juquinha”.
Bruno da Silva Inácio é jornalista, mestre em Comunicação e pós-graduado em Literatura Contemporânea, Política e Sociedade e Cultura e Literatura. Atualmente cursa quatro especializações (Cinema, Teoria Psicanalítica, Antropologia e Gestão da Comunicação) e reside em Uberlândia, onde trabalha como assessor de imprensa da Prefeitura.
É autor dos livros “Gula, Ira e Todo o Resto” e “Devaneios e alucinações”, participante de outras quinze obras literárias e colaborador da Tribuna de Ituverava e dos sites Obvious, Provocações Filosóficas e Tenho Mais Discos que Amigos.
Também manteve, entre 2015 e 2019, a página “O mundo na minha xícara de café”, que chegou a contar com 250 mil seguidores no Facebook.