MEC tem menor gasto da década na educação básica, diz relatório do Todos Pela Educação

Em meio à pandemia que fechou escolas, ministério ajudou estados e municípios com apenas R$ 17 por estudante para escolas se preparem para o retorno presencial das aulas

Escolas de São Paulo retornaram às aulas Foto: Deividi Correa / Agência O Globo

O gasto do Ministério da Educação, em 2020, com Educação Básica foi o menor da década – apesar do ano marcar desafios históricos causados por escolas fechadas em meio à pandemia de coronavírus. O dado é do 6º Relatório Bimestral da Execução Orçamentária do MEC, produzido pela ONG Todos Pela Educação e divulgado na noite deste domingo.

O Todos também lançou ontem a segunda edição do relatório anual de acompanhamento Educação Já!. O estudo faz um balanço de 2020 e traz as perspectivas para 2021 sobre o andamento das políticas públicas educacionais. Segundo a análise da ONG, “o que se constata na atual gestão do MEC é uma grave ausência de coordenação nacional, de liderança e de gestão”.

—O MEC poderia, por exemplo, ter criado uma linha específica para adaptação de infraestrutura escolar para a pandemia. Outra coisa que poderia ter feito era ter ajudado estados e municípios a incluir digitalmente seus alunos — conta Lucas Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política no Todos Pela Educação. — O ministério tem a possibilidade de repassar o dinheiro já destinando onde ele deve ser gasto. Essa é uma forma de conduzir políticas.

Sem a ação do governo federal, mais de seis milhões de alunos chegaram ao fim do ano sem acesso às aulas, segundo dados do IBGE.

Além disso, o país foi um dos que teve as escolas fechadas por mais tempo no mundo. Foram 40 semanas durante a pandemia, praticamente o dobro do tempo visto nos outros países (22 semanas). A conclusão é de um relatório divulgado em janeiro pela Unesco. Para piorar, um contingente expressivo de estudantes teve problemas durante o ano com falta de conectividade e de equipamentos adequados para estudar de casa. Foi o que aconteceu na casa de Letícia Peres, de 16 anos.

— Não tenho computador, nem Wi-Fi em casa. Tentei fazer as aulas pelo celular com dados móveis, mas foi impossível porque ele não suportava os aplicativos. Então, fiz o ano por apostilas. Para mim, foi um ano perdido. Sinto que não aprendi nada — conta a jovem que está no terceiro ano do ensino médio do Ciep 026, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminese.

Perda de aprendizagem

De acordo com a pesquisa “Perda de aprendizado no Brasil durante a pandemia de Covid-19 e o avanço da desigualdade educacional”, coordenada pelo economista André Portela de Souza, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o ano de 2020 causou uma perda de aprendizagem de até 72% nos alunos em relação ao que aprenderiam em um ano típico tanto nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) como no Ensino Médio.

— Me formei no ano da pandemia. Até junho, fui me esforçando para poder fazer as matérias. Mas tive muita dificuldade. Sem conseguir tirar dúvidas com os professores, comecei a me sentir burra e abandonei os estudos até novembro. Voltei para terminar o ano fazendo apostilas com respostas que peguei na internet. Fiz isso porque não sabia responder. Me formei, mas não aprendi nada — diz Evelin Sumar, de 19 anos, moradora de Nova Iguaçu.

Segundo Hoogerbrugge, o MEC só passou recurso adicional para as escolas se preparem para a volta às aulas durante a pandemia nos últimos meses do ano. Foram cerca de R$ 670 milhões, o que dá cerca de R$ 17 por aluno no ano.

— O MEC entendeu que esse valor era suficiente no momento que as redes precisam de adaptação de infraestrutura, reduzir a capacidade das salas de aula, formação e contratação de professores, equipamentos de proteção individual, coisas que custam muito caro. Nitidamente o recurso não era suficiente — explica.

Em 2020, o Ministério da Educação destinou R$ R$ 42,8 bilhões para educação básica, 10,2% menor em comparação ao ano anterior, e gastou R$ 32,5 bilhões. Já o orçamento geral da pasta (R$ 143,3 bilhões) foi o menor desde 2011.

— No começo do ano, o MEC tinha quase R$ 1 bilhão para gastar em apoio à educação básica. Até agosto, muito pouco foi executado. Como não foi gasto, o orçamento foi redistribuído e R$ 700 milhões para essa ação foram cancelados para outros ministérios. Essa é uma falha de gestão do MEC que tira verba da Educação — explica Lucas Hoogerbrugge.

Atrasos

Ainda na avaliação do relatório, o ano de 2020 terminou com grandes prejuízos à implementação de políticas públicas centrais para a melhoria da educação básica que estavam em curso antes da pandemia. Entre eles, destacam-se dois pontos: a implementação do Novo Ensino Média e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Do primeiro, era previsto que 2020 terminasse com todos os estados com seus currículos homologados. No entanto, de acordo com o Educação já!, somente São Paulo completou a tarefa. Os documentos de outros três estados aguardavam homologação. Outros 13 currículos terminaram o ano em avaliação pelos respectivos Conselhos de Educação e 10 estão em elaboração pelas secretarias.

— O principal desse atraso da BNCC não é nem a pandemia, mesmo que ela tenha atrapalhado. É mais responsabilidade do MEC e das redes. Há quase mil municípios sem adequar seus currículos e o cancelamento do Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC) determinado pelo ministério, atrapalhou ainda mais esse processo — diz Lucas Hoogerbrugge.

Avanços

Segundo o Educação já!, as pautas que avançaram conseguiram virar realidade ” graças à ação de entidades representativas de diversos segmentos da educação, do Congresso Nacional, e de alguns Estados e municípios”.

Entre os exemplos, o relatório cita a aprovação no Congresso do Fundeb, principal mecanismo de redistribuição de verbas da educação pública do país.

Além disso, o país viu mais programas de alfabetização em regime de colaboração: os estados Maranhão, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Goiás e Piauí avançaram em pactos com municípios, totalizando dez Estados com programas inspirados no modelo cearense, incluindo o próprio Ceará.

Fonte: oglobo.com