Assunto veio à tona na última semana, com a morte do apresentador Gugu Liberato e a doação de seus órgãos

Entre janeiro e setembro deste ano, ao menos 19.331 pacientes tiveram órgãos, tecidos ou medula óssea transplantados no país. Esse número não chega à metade dos brasileiros que ainda esperam por um transplante. De acordo com o último levantamento da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), são 36.468 pacientes na lista de espera.
O tema ganhou destaque após a morte do apresentador Gugu Liberato, e família decidiu autorizar a doação dos órgãos nos EUA.
Segundo o Ministério da Saúde, existem dois tipos de doadores. O primeiro é o doador vivo, que pode ser qualquer pessoa que concorde com a doação, contanto que este procedimento seja seguro. Um doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão.
O presidente da ABTO, Paulo Pêgo, disse que este tipo de transplante ainda representa a menor parcela dos procedimentos realizados no país, ficando entre 5% e 7% de todos os realizados no Brasil.
A maior parte dos transplantes é feita pelo segundo grupo, o de doadores falecidos, em pacientes que tiveram morte encefálica, geralmente vítimas de catástrofes cerebrais, como traumatismo craniano ou Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Verificação
Pêgo explicou que a morte tem que ser verificada pela equipe médica e comprovada clinicamente a partir de exames laboratoriais.
Ainda segundo o Ministério da Saúde, a doação de órgãos só é feita no Brasil após a autorização familiar e os órgãos são enviados para pacientes que esperam em uma lista única, definida pela Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de cada estado e controlada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT). A pasta ressaltou em um comunicado que a “conversa” é importante e recomendou que se converse sobre a doação ainda em vida. Destacou ainda que mesmo que o doador registre oficialmente sua vontade, ela apenas será validada – sem a autorização familiar – em caso de decisão judicial.
Estados com mais transplantes
Segundo o levantamento da ABTO, os Estados de Santa Catarina e Paraná são os que mais acumularam doadores a cada milhão de habitantes. Foram respectivamente, entre janeiro e setembro de 2019, 44,5 e 41,4 por milhão.
Pêgo explicou que os dois Estados aparecem “tradicionalmente” entre os maiores doadores. Para ele, essa é uma “questão cultural”. Por outro lado, o especialista comentou que a homogeneidade dos Estados e as pequenas extensões contribuem para a captação e distribuição dos órgãos na região.
“Há quatro ou cinco anos, o Paraná não tinha tantas doações assim, mas eles mudaram a forma de lidar com este problema e as doações aumentaram significativamente”, ressalta.
Tempo ‘fora do corpo’
O Ministério da Saúde listou o tempo de isquemia, ou seja, o tempo que cada órgão pode sobreviver fora do corpo humano antes de um transplante. Os rins conseguem se manter por até dois dias antes de serem transplantados, o coração, apenas quatro horas.
No Brasil, o maior número de transplantes de órgãos é de rins. Em nove meses deste ano, 4.617 pacientes foram transplantados e essa é a tendência é mundial, segundo Pêgo. “A demanda de transplante de rins é muito alta, e o receptor não morre durante a espera por conta da diálise. Pacientes que esperam por um coração ou por um pulmão têm mais chances de morrer na fila”, diz.
O médico comentou que este órgão tem maior resistência após a morte encefálica e que cada doador pode atender a dois pacientes.
Espanha é maior doador
A Espanha é o país que teve em 2018 o maior número de doações de órgãos a cada milhão de habitantes e atingiu uma taxa de 48,3 doadores por milhão. Dados da Organização Espanhola de Transplantes, entidade vinculada ao Ministério da Saúde do país ibérico, os coloca acima da média dos por Estados Unidos (32,8) e da União Europeia (22,2).
“Os espanhóis são referencia para a doação de órgãos, com os maiores índices do mundo. E isso pode ser explicado por várias formas, como, por exemplo, a legislação local que institui a doação compulsória. Após a morte, o corpo pertence ao Estado”, disse Pêgo.
Entenda porque órgãos do Gugu podem beneficiar 50 pessoas

Noticiada repetidamente desde o anúncio da morte de Gugu Liberato, a autorização para a doação de seus órgãos, manifestada ainda em vida pelo apresentador, tem intrigado por conta de um número: 50 receptores poderiam ser beneficiados, nos Estados Unidos (local do óbito), graças à decisão da família de cumprir a vontade de Gugu.
Além dos órgãos sólidos – coração, pulmões, fígado e rins, entre outros –, mais conhecidos do público em geral a partir de campanhas e reportagens na imprensa, também podem ser transplantados tecidos, como pele, válvulas cardíacas, ossos e cartilagens, elevando em dezenas o total de pacientes que ganhariam uma nova chance. A quantidade que vem ganhando as manchetes, portanto, não é absurda.
A confirmação da ausência de atividade cerebral permite dar início aos procedimentos para a retirada dos órgãos, se há consentimento dos parentes. A idade – quanto mais jovem, melhor – e o estado geral de saúde do paciente são avaliados para determinar quais órgãos poderão ser aproveitados. Aos 60 anos, Gugu Liberato era saudável e teve um trauma agudo de crânio, o que configura a melhor situação para doação.
Rapidez
Com o rápido desfecho, os órgãos foram poupados de sofrimento, o que poderia ocorrer se o tempo de permanência na UTI, com a administração de medicamentos, se prolongasse. Outro fator determinante para o sucesso de um transplante é a logística: um paciente com morte encefálica em Manaus, no Amazonas, não ajudará um doente que está na fila de espera por um coração ou um pulmão em Porto Alegre (o tempo para a retirada e o implante desses órgãos é de até quatro horas).
O mais comum é o transplante dos chamados órgãos sólidos: rins, coração, fígado, pulmões, pâncreas e intestino. Rins, fígado e pulmões podem se destinar a mais de um receptor. Quando concordam com a doação, os familiares assinam uma autorização padrão para órgãos sólidos e córneas – é possível que a família negue, especificamente, a retirada das córneas. Em separado, apresenta-se um documento referente à retirada de pele e ossos, que dependem da existência de um banco para armazenamento e da disponibilidade de espaço.
Tecidos
“O aproveitamento de tecidos não precisa ser imediato, eles podem ser guardados para o futuro”, afirma Paulo Carvalho, coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Cartilagens e ossos podem beneficiar várias pessoas. De um osso grande, um paciente pode precisar apenas de um pequeno pedaço para um enxerto. O grande número de possíveis receptores vem daí. O diferencial são os ossos e as cartilagens”, ressalta.
Procedimentos
O doador é submetido a procedimentos cirúrgicos que não desfiguram o corpo, uma preocupação recorrente entre os familiares no momento em que são abordados pela equipe médica para permitir ou não a doação. Primeiro são retirados os órgãos sólidos, depois pele e ossos. Estruturas de plástico colocadas no lugar dos ossos maiores servem de sustentação no cadáver, não comprometendo a aparência.
A pele costuma ser raspada em regiões como peito e coxas, que ficam cobertas pelas roupas. Em termos técnicos, o Brasil é capaz de efetuar os mesmos procedimentos de transplante conduzidos dos Estados Unidos, com exceção de novos tipos de intervenções, como aquelas que transplantam pernas, braços, pênis e face.
