Quatro cadeiras

São quatro e se sentam na mesma mesa de bar há mais de cinquenta anos. Dúzias de cervejas no passado. Agora, cinco são suficientes. Chegam às seis e vão embora às oito e meia. As histórias da juventude são repetidas à exaustão. Vez ou outra um fato se modifica. Memória é mesmo um negócio traiçoeiro.
Quem passa por perto pela primeira vez estranha o longo silêncio entre as frases. Quando elas surgem, pouco se aproveita.

  • Pois é…
  • Foi necessário…
  • Concordo com cada decisão!
  • Me passa o palito de dente, por favor…

O garçom chega com outra cerveja. Ouve a mesma piada de ontem. E de anteontem. E da semana passada. Ri como se ouvisse pela primeira vez.

  • Vocês lembram quando…

Então a conversa avança. Surgem risadas, tosses, pequenas correções. A narrativa chega ao fim. De forma precoce. Se alguém não conhecesse a história, perguntaria o que aconteceu em seguida. Mas todos ali já sabem. Começam a olhar os relógios. Quase oito horas. Ainda restam quarenta minutos.
Havia um tempo em que não era assim. Eram sete lugares na mesa e um turbilhão de ideias nas cabeças. Atropelavam-se nos assuntos. Livros, cinema, teatro, comédia, corrida espacial. Cada um com tópico favorito. As cervejas faziam com que falassem cada vez mais alto.
Até que entenderam que não poderiam mais falar naquele tom. Nem discutir certos assuntos. De uma hora pra outra, havia sempre alguém por perto. Os ouvidos atentos. Os olhos em movimento. A paranoia acionada.

  • Psiu, fala baixo…
  • Cuidado…
  • Eu não tenho medo!

E por falta de medo, as sete cadeiras se tornaram seis. Os assuntos diminuíram. As vozes ficaram amenas. Os olhares, cabisbaixos.
Em pouco tempo, novos corvos começaram a rodear os espaços públicos. Foi nessa época que as seis cadeiras se tornaram quatro. Os restantes fizeram um pacto para se proteger. “Custe o que custar”, disseram em voz alta, como que para se sentirem menos covardes.
Os encontros, contudo, continuaram. Todos os dias estavam ali pontualmente às seis. Acenavam para os que os observavam e depois de alguns minutos, quebravam o silêncio.

  • Pois é…
  • Foi necessário…
  • Concordo com cada decisão!
  • Me passa o palito de dente, por favor…

Bruno da Silva Inácio é jornalista, mestre em Comunicação e pós-graduado em Literatura Contemporânea, Política e Sociedade e Cultura e Literatura. Atualmente faz especializações em Cinema e em Filosofia e Direitos Humanos e reside em Uberlândia, onde trabalha como assessor de imprensa da Prefeitura.
É autor dos livros “Gula, Ira e Todo o Resto” e “Devaneios e alucinações”, participante de outras quinze obras literárias e colaborador da Tribuna de Ituverava e dos sites Obvious, Provocações Filosóficas e Tenho Mais Discos que Amigos. Também manteve, entre 2015 e 2019, a página “O mundo na minha xícara de café”, que chegou a contar com 250 mil seguidores no Facebook.