Intuito é entender como sentimentos e até mesmo conflitos espirituais afetam a saúde dos pacientes

Nos últimos anos, inúmeros estudos têm mostrado que a espiritualidade traz benefícios para a saúde física e mental, ajudando a prevenir uma série de doenças, como pressão alta, depressão e doenças cardiovasculares. Agora a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), uma das entidades mais respeitadas do país, criou uma diretriz inédita sobre o assunto, recomendando que a espiritualidade seja abordada no atendimento aos pacientes. O texto, que foi incluído nas Diretrizes de Prevenção da SBC, orienta cardiologistas – e profissionais de saúde em geral – sobre a melhor forma de abordar questões de caráter espiritual durante a consulta.
“A demanda partiu dos próprios pacientes, especialmente daqueles que sofrem com doenças crônicas. Eles esperam que o médico pergunte algo que é intrínseco a sua personalidade. Muitos ainda não verbalizam essa necessidade e os profissionais acabam não abordando o assunto, pois acham inadequado”, explica Roberto Esporcatte, presidente do Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (Gemca).
A espiritualidade é uma questão essencial para a maioria das pessoas: cerca de 80% da população mundial está ligada a alguma religião ou acredita em um poder superior. No Brasil, 86,7% dos brasileiros se denominam cristãos.
“É preciso ressaltar que esse não é um trabalho doutrinário. O intuito não é recomendar ao paciente a prática religiosa, mas entender como sentimentos, como gratidão e perdão, e até mesmo conflitos espirituais afetam sua saúde”, ressalta Roberto Esporcatte.
Objetivo
Segundo ele, um dos principais pontos das diretrizes é ajudar os profissionais de saúde na identificação dos pacientes que desejam ou precisam dessa nova abordagem e, claro, o melhor momento para trazê-la à tona. A orientação é que sejam priorizados pacientes crônicos ou com doenças graves que os impedem de estar entre familiares ou participem das cerimônias religiosas que costumam frequentar.
Saber a necessidade da presença religiosa dentro do hospital pode direcionar o médico na hora de tratá-los. Por esse motivo, a SBC ainda sugere que os hospitais ofereçam treinamento para os seus profissionais.
Pacientes podem informar caso não queiram falar sobre assunto
A questão da religiosidade do paciente também pode ser levantada durante a anamnese (entrevista realizada pelo médico, cujo objetivo é identificar um possível diagnóstico). Mas isso só deve ser feito se o profissional de saúde sentir que existe esta aber- tura. Os pacientes também devem avisar aos médicos que desejam falar sobre sua própria espiritualidade durante a consulta.
“Entender o paciente ajuda no desenvolvimento de terapias direcionadas às suas necessidades. Além disso, falar sobre a espiritualidade pode fortalecer a relação médico-paciente já que isso demonstra para as pessoas que o profissional de saúde está interessado em compreender todos os aspectos que interferem no seu dia e dia e, consequentemente, na sua saúde”, diz o cardiologista.
Estudo de 2016 publicado no JAMA Internal Medicine mostrou, por exemplo, que pessoas religiosas vivem mais. Enquanto isso, uma pesquisa realizada pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que jovens religiosos ou com maior grau de espiritualidade têm melhor saúde na vida adulta.
Envolvimento religioso
Outro trabalho, realizado pela Mayo Clinic, prestigiada clínica médica americana, conclui que o envolvimento religioso e a espiritualidade promovem maior resiliência (capacidade de lidar com problemas), melhor qualidade de vida (mesmo durante doenças terminais), maior longevidade e menores índices de depressão, ansiedade e suicídio.
Além disso, estudo publicado na revista PLOS One revelou que frequentar um culto ou cerimônia religiosa frequentemente está associado à mortalidade reduzida e menores níveis de estresse.
Ou seja, para quem tem alguma religião ou forte senso de espiritualidade, mantê-lo ativo, inclusive durante o atendimento médico, traz inúmeros benefícios para a saúde. Por isso, não hesite em falar sobre isso com seu médico se sentir essa necessidade.
Pesquisa afirma que pessoas religiosas tendem a viver mais

De acordo com um estudo publicado na revista Social Psychological and Personality Science, pessoas religiosas podem ter a vida prolongada em até quatro anos.
“A afiliação religiosa teve um efeito quase tão forte na longevidade quanto o gênero, o que é uma questão de anos de vida”, contou Laura Wallace, principal autora do estudo, ao Medical News Today.
Pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, realizaram dois estudos cujos resultados mostraram que a religião pode acrescentar alguns anos na longevidade dos fiéis.
Na primeira pesquisa, a equipe analisou 505 obituários publicados no Registro de Des Moines – jornal americano do Estado de Iowa – entre janeiro e fevereiro de 2012. Os resultados indicaram que as pessoas devotas viveram 9,45 anos a mais do que as que não tinham registros de filiação religiosa no obituário.
Já no segundo estudo, os pesquisadores avaliaram 1.096 obituários publicados online, em 42 das maiores cidades dos Estados Unidos dentro do período de 12 meses (agosto de 2010 e agosto de 2011). A análise mostrou que os religiosos viveram 5,64 anos a mais. As pesquisas ainda consideraram o sexo e o estado civil, o que mostrou uma pequena diferença nos resultados: no primeiro, a longevidade era de 6,48 anos; no segundo, 3,82 anos.
Estudos
Primeiro é necessário mencionar que diversos estudos mostraram que outras atividades sociais, como ter um animal de estimação, andar mais rápido e as interações sociais podem influenciar positivamente na longevidade de um indivíduo. Além disso, o gênero de uma pessoa também pode indicar mais tempo de vida: nos Estados Unidos, por exemplo, as mulheres chegam a viver, em média, 81,2 anos, enquanto os homens têm uma expectativa de vida de apenas 76,4 anos. Já no Brasil, a longevidade feminina atinge os 79,4 anos – cerca de 7 anos a mais que os homens (72,9).
Mesmo diante dessas informações, os pesquisadores tentaram explicar que atividades sociais ou voluntárias exerciam menos efeito na longevidade do que a religião. “Descobrimos que o voluntariado e o envolvimento em organizações sociais representam apenas um pouco menos de um ano do aumento da longevidade se comparado com o que a afiliação religiosa proporcionou”, disse Laura.
Abstinência e submissão religiosa
Para explicar essa relação entre a participação religiosa e a expectativa de vida dos indivíduos, os pesquisadores indicam o fato de que os fiéis costumam se abster de práticas insalubres, como o uso de drogas e álcool, por exemplo. Além disso, Baldwin Way, co-autor do estudo, afirma que muitas religiões promovem práticas de redução do estresse que podem melhorar a saúde, como gratidão, oração ou meditação.
Ainda que essas sejam apenas hipóteses, o estudo mostrou algumas evidências importantes de que a “submissão” e a “obediência” mediam a relação entre a religião e longevidade: em cidades onde existiam esses sentimentos, os fiéis viviam mais que as pessoas sem religião.
