Smartphone é melhor amigo de quase metade dos adolescentes

Qual a primeira coisa que você faz ao acordar? A maioria dos jovens pertencentes à chamada Geração Z (de 16 a 20 anos) responderá: olhar o smartphone antes de qualquer outra ação.
Para ser mais preciso, 49% dos brasileiros nessa faixa etária consideram o smartphone o seu melhor amigo. Desse universo, 36% priorizam o aparelho em vez de passar mais tempo com os amigos de carne e osso, a família ou pessoas importantes.
Esse cenário traz um alerta à sociedade sobre o limite do uso das tecnologias e no que isso pode ser prejudicial às relações interpessoais, por se tratar de uma geração que já nasceu imersa a um mundo conectado 24 horas por dia.
O nível de apego destes jovens com o aparelho móvel foi objeto de um estudo feito pela especialista renomada em comportamento mente-cérebro e na ciência da felicidade pela Universidade de Harvard e psicóloga do departamento de psiquiatria do Hospital Geral de Massachusetts, Nancy Etcoff, em parceria com a Motorola, por meio do estudo Phone Life Balance.

Pesquisa
A pesquisa ouviu 4.418 usuários de smartphones de quatro países: Brasil, Estados Unidos, França e Índia. Foram investigados os comportamentos e hábitos de utilização do celular de diferentes gerações para entender o impacto do equipamento nas relações com o usuário, com outras pessoas e com o ambiente físico e social.
“Essas tecnologias precisam ser vistas como uma ferramenta para alcançar algo, e não o fim. Ele não pode ser visto como um amigo, mas como uma das formas de alcançar esses amigos”, avalia a gerente de projetos do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), Danielle Andrade.
“Esses jovens nasceram na evolução dos smartphones e não podemos ir contra esse fato. O que precisamos trabalhar na educação dentro desse cenário digital, é trabalho em equipe, a importância de saber e escutar e ter paciência, e o principal, a lidar da melhor forma com as frustrações. Isso é exigido estando na era digital ou não”, alerta.

Sentimento de pertencimento
Para a coordenadora de tecnologia da Universidade Estácio, Erika Medeiros, um dos motivos que levam esses jovens a se apegarem cada vez mais aos smartphones é o “sentimento de pertencimento”. “Se dentro do grupo eles não compartilham o que está acontecendo, eles já se sentem excluídos. E os jovens têm uma facilidade maior de desenvolverem um comportamento compulsivo. Existem várias características técnicas que levam a esse vício, uma delas é a entrega do aparelho muito cedo às crianças”, critica a coordenadora.
A pesquisadora Nancy Etcoff também identificou nessa pesquisa os três principais comportamentos ligados ao smartphones que impactam as relações interpessoais: metade dos jovens entrevistados (49%) afirmou verificar o celular com mais frequência do que gostaria (no Brasil, esse percentual é de 48%); mais de um terço (35%) disse passar tempo demais utilizando o smartphone. Contraditoriamente, 34% dos jovens acreditam que estariam mais felizes se passassem menos tempo no celular. Entre os adolescentes brasileiros, os números caem um pouco: 33% e 38% respectivamente.

Pânico
Quase dois terços (65%) dos entrevistados admitem que entram em pânico quando acham que perderam o celular, e três em cada dez concordam que, quando não estão usando o celular, “estão pensando em usá-lo ou planejando o próximo uso do dispositivo”.
No Brasil, boa parte dos usuários também se preocupa com a possível perda do dispositivo (56%, dos quais 69% da geração Z e 68% da geração do milênio). Em relação ao pensamento do próximo uso, o percentual sobe para 31% dos participantes.
A estudante de direito Laís Ferreira, 20 anos, assume que o smartphone é seu melhor amigo. Ela, inclusive, só vai dormir após responder o último amigo no WhatspApp e conferir as redes sociais. “A primeira coisa que faço ao acordar é olhar meu celular. Quando ele quebrou fiquei desesperada, mas estava no seguro, que só fiz para não ficar sem nenhum aparelho”, disse.
O mesmo estudo também constatou que 48% dos entrevistados no Brasil reconhecem a importância de aproveitar melhor a vida quando não estão com o celular.

Gerações
A psicóloga educacional Julianne Gomes Correia, considera o percentual de 49% de adolescentes que consideram o smartphone como melhor amigo, um dado alarmante. Mas lembra que hoje, esses jovens vivem um processo interacionista muito mais livre que a geração anterior.
“Às vezes esses jovens nem sempre encontram seu grupo social na escola, então ele se afasta desse convívio pessoalmente para buscar por esse grupo na internet. Essas pessoas se identificam virtualmente e aí não há um gasto de energia que o contato social do corpo a corpo tem”, disse Julianne.
A grande questão dessa conexão excessiva é o aumento no número de casos de “autismo virtual” – quando muitas crianças pequenas que passam muito tempo em frente a uma tela de TV, videogames, tablets e smarphones têm sintomas similares aos de um autista. “Precisamos rever a maneira como nos expomos à internet e suas ferramentas de acesso, e como pais, a maneira que expomos isso aos nossos filhos”, alerta a psicóloga.

Vício não caracterizado 

Apesar de a Organização Mundial da Saúde não caracterizar o uso excessivo do smartphone como um vício, esse uso excessivo é preocupante para muitos especialistas. “É impactante termos acessos a essas novas tecnologias. Mas diante de tudo isso, se você não estiver controle, passa a não ter agenda e esse imediatismo vai gerando ansiedade e pode fugir do controle”, alerta a coordenadora de Tecnologia da Universidade Estácio, Erika Medeiros.
Nada substitui o olho no olho, diz a gerente de projetos do Cesar, Danielle Andrade. Ela coordena uma equipe com 40 engenheiros pela internet e afirma que não se pode fugir dessa interação, em que o ouvir e o olhar são fundamentais para que os projetos se desenvolvam bem.
“Não se pode ir contra as tecnologias, mas precisamos saber trabalhar com elas em prol da coletividade. Em qualquer trabalho é necessário escutar o que o outro tem a dizer, diminuindo as distâncias”, completa.