11 de janeiro de 2016. David Bowie levanta, se espreguiça e sai do seu quarto. Caminha meio zonzo até a porta principal, puxa a maçaneta, se abaixa e apanha o jornal. Joga-o despretensiosamente em cima da mesa ao mesmo tempo em que se serve uma xícara de chá. Senta-se ainda sonolento e observa a primeira página do jornal. No canto inferior direito, uma foto dele chama a sua atenção. Obviamente não era a primeira vez que via a si mesmo num jornal, mas era a primeira em que algo o chocava de tal maneira.
– Como assim eu morri? – disse pausadamente, enquanto tentava despertar de um eventual sonho. Não teve jeito de acordar. Aquilo era real. Mas não poderia ser. Dessa vez esses jornais sensacionalistas foram longe demais. Como poderiam inventar que David Bowie morreu?
Ficou olhando fixamente para o espelho. Os olhos – um de cada cor – refletiam simplesmente um homem. Não era o semideus que as pessoas acreditavam que ele era. Rejeitava esse e tantos outros rótulos. O único que ele gostava era o de camaleão do rock. E a parte do “rock” nem se fazia necessária. O que importava era que ele era um camaleão. Se adequava a novas situações, novas perspectivas, novas ideologias… A ideia de morrer não o assustava tanto, mas a de viver sem constantes mutações o apavorava.
Perdido em meio a pensamentos, Bowie demorou a perceber que alguém batia à porta. Levantou-se e caminhou lentamente até a entrada, ainda pensando no que fazer a respeito do jornal que inventou a sua morte.
– Bem-vindo de volta, senhor. Que prazer vê-lo aqui – disse um ser verde, com pouco mais de um metro de altura.
Bowie se lembrou dos períodos em que os alucinógenos faziam parte da sua rotina. Nem naqueles dias as alucinações eram tão reais. Decidiu entrar no jogo e agir naturalmente, afinal, aquilo só poderia ser um sonho. Antes que pudesse dizer algo, no entanto, o homenzinho verde continuou.
– Nós o esperamos há tanto tempo! Vamos logo ao salão de convenções. Todos os outros esperam ansiosamente pelas suas palavras a respeito do planeta vizinho.
– Planeta vizinho? Eu não entendo…
– Claro que não! Onde eu estava com a cabeça? Me esqueci completamente do chip…
– Chip?
Sem responder, o homenzinho encostou um pequeno chip à pele de David Bowie. O objeto foi rapidamente absorvido pela pele e então, antes que pudesse dizer qualquer palavra, Bowie foi bombardeado por uma série de imagens em sua mente. Lembrou de cada etapa de sua carreira, da adolescência e até mesmo da infância.
E quando parecia que não haveria mais nada a se lembrar, se recordou de algo antes de ter nascido. Lembrou-se se de também ser um homenzinho verde e de entrar numa espaçonave para explorar o que de melhor existe na Terra. Voltaria algumas décadas depois, trazendo informações sobre a cultura dos terráqueos. Agora, esse dia finalmente havia chegado.
David Bowie sorriu, voltou à sua forma original e riu sobre a ironia de ter questionado na música “Life on Mars” se existia vida em Marte, sendo que ele mesmo viera dali…
Bruno da Silva Inácio é jornalista da Tribuna de Ituverava, especialista em Gestão Cultural, Literatura Contemporânea e em Cultura e Literatura. Cursa pós-graduação em Filosofia e Direitos Humanos e em Política e Sociedade. É autor dos livros “Gula, Ira e Todo o Resto”, “Coincidências Arquitetadas” e “Devaneios e alucinações”, além de ter participado de diversas obras impressas e digitais. É colaborador dos sites Obvious e Superela e responsável pela página “O mundo na minha xícara de café”.