
A modalidade será regulada pelo BC, mas preocupa especialistas e entidades, que alertam para a falta de transparência e o risco de endividamento entre a população de baixa renda
O Banco Central deve anunciar até o fim deste mês a regulamentação do chamado PIX Parcelado.
A funcionalidade, que já é oferecida por bancos e fintechs de forma independente, passará a seguir regras mais claras para padronizar o serviço, aumentar a transparência e estimular o uso consciente desse tipo de crédito.
De acordo com o BC, a novidade deve ampliar o uso do PIX no comércio, principalmente em compras de maior valor, permitindo que o comerciante receba o valor integral e à vista da venda.
Acesso a quem não tem cartão de crédito
Além disso, pode vir a ser uma alternativa para um público de 60 milhões de brasileiros que hoje não têm acesso ao cartão de crédito.
Só que diferentemente da inclusão bancária promovida pelo próprio PIX, a modalidade de pagamentos parcelados será voltada para quem já possui vínculo com instituições financeiras e conta com linhas de crédito pré-aprovadas.
“O PIX Parcelado vai ser utilizado por quem é bancarizado. Essa pessoa já tem uma linha de crédito disponível para ele, e vai poder utilizar essa linha e parcelar os pagamentos utilizando o PIX”, afirma Walter Faria, diretor-adjunto de Serviços e Segurança da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Crédito no banco
Para conseguir crédito no banco, não basta ter uma conta ativa: é preciso mostrar que se tem um bom histórico financeiro.
Um dos critérios usados pelas instituições é o score de crédito, que indica se a pessoa costuma pagar suas contas em dia e manter o nome limpo.
Os bancos também avaliam o tempo de relacionamento com o cliente, como ele movimenta a conta e qual é sua renda.
70 milhões de pessoas usando o Pix
Segundo a Febraban, desde que o PIX foi lançado, cerca de 70 milhões de pessoas passaram a usar serviços financeiros.
Hoje, ele responde como o principal método de transferência entre os brasileiros, com resultados muito superiores aos seus concorrentes.
Somente no segundo trimestre de 2025, o BC contabilizou 19,3 bilhões pagamentos via PIX;
O número é 53,5% superior ao total de transações com cartões (crédito, débito e pré-pago), que somaram 12,6 bilhões no período; e 335% acima das cobranças por boleto, convênio e débito direto, que totalizaram 4,4 bilhões.
Custo do parcelamento, não do PIX
Ao não fazer parte das funções originais do sistema, o parcelamento funciona como uma forma de crédito oferecida pelos bancos, por meio do cartão ou empréstimo pessoal.
Embora o uso do PIX seja gratuito, a instituição pode cobrar juros e estabelecer outras condições para a modalidade.
Marcelo Sá, diretor de Negócios do Braza Bank — uma das instituições que viabilizam o “PIX Internacional”, também disponível com parcelamento —, destaca que o custo da operação é um ponto que precisa ser esclarecido pela regulação do BC, já que os bancos envolvidos assumem o risco de crédito e precisam ser remunerados por isso.
Segundo ele, entre as alternativas está a cobrança de uma taxa por transação (“fee transacional”) ou o repasse de juros diretamente ao consumidor.
Neste último caso, Sá afirma que o PIX Parcelado pode se tornar menos atrativo em comparação ao cartão de crédito, que costuma ser apresentado ao consumidor como uma opção sem juros.
Walter Faria, da Febraban, ressalta que as instituições financeiras não são obrigadas a oferecer o PIX Parcelado, reforçando que o sistema de transferência não conta com taxas ou juros para utilização do serviço.
“A operação de crédito subjacente, sim, terá custos. Mas, como em qualquer oferta de crédito, o banco é obrigado a disponibilizar o custo efetivo total.”
Hoje, cada banco define as condições do PIX Parcelado — como modalidade de crédito, condições e taxas — de acordo com seus próprios critérios, já que se trata de uma forma de crédito pessoal sem exigência de padronização pela Febraban.
Crédito extra e inadimplência
Voltado para quem já tem crédito pré-aprovado com uma instituição financeira, pelo menos três grupos de pessoas devem ser os principais alvos do PIX Parcelado, avalia a economista Carla Beni, professora da FGV e membro do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP).
Quem tem crédito aprovado, mas não possui um cartão desse fim: será uma nova forma de parcelar compras maiores, como de eletroeletrônicos. “Quase como um carnê do passado”, aponta;
Quem já tem cartão de crédito, mas viu vantagem no uso: que permite comparar as taxas de juros entre o PIX Parcelado, ou unir o uso com o pagamento à vista para a entrada, aproveitando descontos;
Quem busca crédito adicional: pessoas que já esgotaram seus limites de cartão de crédito poderão usar o PIX Parcelado como uma linha de crédito extra, inclusive em outras instituições.
“O cartão de crédito está entre os principais itens da inadimplência à pessoa física. Será importante ver como o PIX Parcelado se encaixará nesse cenário, ainda mais para as rendas mais baixas, que o parcelamento virou uma espiral viciante”.
“O próprio varejo te estimula: no supermercado a pessoa do caixa pergunta se você quer dividir no cartão”, diz Beni.
O Relatório de Crédito do Ministério da Fazenda, com dados do BC, mostra que o cartão de crédito se tornou o principal responsável pelas dívidas dos brasileiros.
Só em julho, o pagamento parcial da fatura — o chamado rotativo — foi a causa de 60,5% dos casos de inadimplência entre pessoas físicas.
Endividamento das famílias
Nos últimos 10 anos, esse tipo de dívida cresceu dentro do conjunto de pendências financeiras.
O Idec frisa que o aumento das dívidas tem afetado, sobretudo, as famílias de baixa renda — justamente aquelas que já enfrentam obstáculos para acessar modalidades de crédito convencionais e condições financeiras mais vantajosas.
“O que se apresenta como ‘acesso ampliado ao crédito’ pode, na prática, significar armadilhas financeiras e aprofundamento da desigualdade”, afirma a entidade sobre o PIX Parcelado.
Por isso, caso o BC decida seguir com a proposta, o Idec recomenda alguns cuidados:
– Evitar o uso da marca PIX, criando uma identidade própria para o novo serviço;
– Seguir as mesmas regras dos demais produtos de crédito, com contratos claros e direitos garantidos;
– Adotar medidas reais contra o superendividamento, como análise de risco proporcional e limites de contratação;
– Permitir que a funcionalidade seja ativada apenas por iniciativa do usuário, que deve ter controle sobre todo o processo;
– Realizar uma consulta pública ampla, priorizando a proteção do consumidor, e não apenas a inovação financeira.
Fonte : https://www.jornaldafranca.com.br/