Tudo sobre Darla

Revirava por horas na cama, e todas as noites eram assim. Pensava naqueles lábios, olhos, orelhas e antenas. Como mexiam comigo essas últimas. Enquanto Darla caminhava, elas se moviam em perfeita sincronia, indo de cima para baixo e depois no caminho oposto. Sua pele, verde, brilhante, reluzia ao toque do sol. E todos os dias no mesmo horário, ela passa. Às vezes até para em frente à minha jaula. Olha-me com desprezo, e com toda a razão.
A minha aparência é horrenda. Meus olhos são pequenos, minhas mãos têm cinco dedos, não possuo antenas e tenho algo entre os olhos e a boca. Não são apenas dois furos como Darla e todos os outros. É algo grande, triangular e com dois buracos enormes.
Todos que passam por aqui agem sempre da mesma maneira. Olham-me com nojo e às vezes me atiram objetos. A dor resultante é imperceptível perto do que sinto quando penso que estou fadado a viver sem Darla.
Ao menos agora sei o seu nome. Eu sempre a vi, mas até pouco tempo não sabia como se chamava. A única coisa que dói mais do que amar é não saber dizer quem você ama.
Doug, o responsável por me alimentar, é o único que me trata com dignidade. Foi ele quem disse o nome de Darla, mas também me alertou para que nunca falasse com ela. O seu pai, Laurie, é quem governa este lugar. E seu irmão mais novo é o prometido de Darla. Se eu ousasse falar com ela, imediatamente seria decapitado. Na verdade, pouco me importa. Morrer rapidamente, com apenas um golpe, talvez seja melhor do que ser destruído pouco a pouco, vítima de algo inalcançável.
Por isso decidi dizer tudo de uma vez amanhã, quando ela passar por mim. Quero que a morte me liberte deste amor, e que no futuro os deuses tenham pena da minha alma, e me reenvie a este lugar sob uma forma menos repugnante. Por Darla vivi, por Darla morrerei.
Eu não sei se realmente é verdade, ou se é apenas mais uma de suas histórias, mas Doug contou que antes eram as criaturas como eu que reinavam neste lugar. Os humanos, como ele disse que nós chamamos, dominaram este planeta por milênios, até que os seres vindos de outro planeta – muito mais evoluídos tecnologicamente que nós – nos exterminaram para tomar o nosso planeta.
Dos que não foram assassinados, alguns foram escravizados para servir os novos donos do planeta, enquanto outros foram aprisionados para serem utilizados em atividades de entretenimento, como é o caso dos meus antepassados. Eles, assim como eu, ficavam enjaulados, enquanto os outros riam, atiravam objetos e os desprezavam.
Todas as noites, Doug me conta um pouco da história da humanidade, mas nunca sei a que ponto isso é verdade. Acredito que pode ser somente uma forma de tornar a minha existência menos dolorosa. De qualquer forma, eu o agradeço por isso.
Aquela noite seria a minha última. Estava decidido. Então, embora o meu corpo pedisse por isso, optei por não dormir. Fiquei imaginando como era aquele lugar, tão cinza e deserto, quando a minha raça o dominava. Talvez fosse mais justo e mais cheio de cor. No entanto, para mim, isso pouco importaria. De que me adiantaria viver livre e com seres iguais a mim se Darla não estivesse lá? Por muito tempo, apenas vê-la foi suficiente para mim. Bastava olhá-la e sentia que tudo valia a pena. Mas agora isso já não me bastava. Desenvolvi a necessidade de tê-la ao meu lado, e se não posso viver assim, é melhor não viver.
No dia seguinte, lá estava ela, na mesma hora de sempre. Quando ela me deu o seu desprezo, gritei o seu nome. Ela me encarou enojada, e então eu apenas disse aquelas que certamente seriam minhas últimas palavras “eu preciso de você”. Sua reação foi imediata: matem-no, ordenou a um dos que acompanhavam.
E agora aguardo a guilhotina passar pelo meu pescoço. Na plateia, entre tantos olhares atentos, o de Darla. Há certo brilho em seus olhos agora. Uma satisfação por saber que dentro de alguns segundos eu estarei morto. Minha alegria toma conta de mim. Quem diria, que no fim das contas, eu seria o responsável por proporcionar a ela, minha amada, momentos de felicidade.

Bruno da Silva Inácio cursa mestrado na Universidade Federal de Uberlândia, é especialista em Gestão Cultural, Literatura Contemporânea e em Cultura e Literatura.
Ele Cursa pós-graduação em Filosofia e Direitos Humanos e em Política e Sociedade. É autor dos livros “Gula, Ira e Todo o Resto”, “Coincidências Arquitetadas” e “Devaneios e alucinações”, além de ter participado de diversas obras impressas e digitais.
É colaborador dos sites Obvious e Superela e responsável pela página “O mundo na minha xícara de café”.